Primeira tarefa:
Consulado brasileiro, na av. Diagonal
Motivo:
A prefeitura de Barcelona possui um guia de acolhida a novos moradores, que contém uma série de itens obrigatórios, em ordem pré-determinada, para que a estadia dos imigrantes seja ideal. Em primeiro lugar, é necessário fazer o empadronamento. Vale, isso já fizemos. O número dois da lista é pedir uma TSI (Tarjeta Sanitária Individual). Tentamos pedir a nossa, mas, de acordo com nova lei, de 2010, caso o estrangeiro seja de país da comunidade europeia ou outro qualquer que possua acordo com a Espanha, é preciso apresentar uma declaração, autenticada por consulado ou órgão responsável, atestando que o imigrante não possui cobertura da rede pública de saúde em seu país - que é o nosso caso.
Após verificar que o consulado italiano não emite tal carta, e que, portanto, precisaríamos ir à Itália para conseguir o atestado, resolvemos tentar o consulado brasileiro, que confirmou prestar tal serviço. Fizemos a declaração, assinamos e levamos ao consulado para autenticação. Hoje estaria tudo pronto.
História:
História:
Excepcionalmente hoje haveria corte de energia, para manutenção, no prédio que abriga, em seu segundo andar, o consulado. Portanto, o atendimento seria das 9h30 às 11h00 apenas. Chegamos, e estava lotado. Durante nossa curta estada na pequena fila da recepção, ouvimos, várias vezes, a funcionária dizer Aqui está sua senha, mas não podemos garantir que você será atendido, pois a energia será cortada por volta das 11h30. Que ótimo, pensei, enquanto retirava nossos canhotos - referentes aos documentos pedidos - da mochila.
O segurança, que assistia a tv, quer dizer, que trabalhava ao lado da recepcionista, avistou os papéis e, friamente, nos disse que poderíamos aguardar no guichê 4, apresentar os recibos e retirar as declarações. Agradeci e fomos até lá. Fiquei de pé, aguardando, em frente ao tal guichê, onde, do lado de cá do vidro, havia uma mulher de braços cruzados, também aguardando.
Cerca de 15 minutos se passaram, e nada. Vimos as senhas rodando muito lentamente, pessoas sendo chamadas, contando suas histórias de como foram roubadas e o por quê da pressa da emissão de um novo passaporte, enquanto, em cada guichê, lia-se um aviso impresso em matricial Não fazemos urgência, por favor colabore. Sério. Bom, de repente, do lado de lá do vidro, vi uma senhorinha, cabelos brancos, óculos pesados pendendo na ponta do nariz, andando com certa dificuldade, passos tranquilos, mas trêmulos, vindo em direção ao guichê 4, trazendo uma pasta nas mãos.
Ela entregou o conteúdo da embalagem para a mulher que aguardava e, neste exato momento, dei um passo à frente, esticando o braço que terminava com a mão que carregava os canhotos. A mulher foi embora, a senhora olhou para mim, desceu o olhar pelo meu pescoço, seguiu pelo ombro, percorreu o braço, cotovelo, antebraço, mão, papéis. Ela esticou seu braço envelhecido, recolheu os canhotos, sorriu, virou à direita exatos 90 graus e pois-se a procurar nossas pastas entre algumas outras.
Será que eles escolheram a funcionária mais velha, mais lenta e mais cega para aquela função - de procurar e entregar documentos - de propósito? Havia várias pastas ao lado da mesa, mas a pasta da mulher atendida antes de mim estava em outra sala, longe dali. E, pela cara da moça, ela já estava esperando ali há algum tempo. Eu, heim.
Resultado:
Após segundos de procura, lá estava a declaração da Mi. Momentos depois, a minha. Ambas, entregues a mim, foram direto para minha mochila. Cerca de 15 dias e 40€ depois, os documentos estavam conosco. Conseguimos!
Segunda tarefa:
CAP (Centre d´Atenció Primària [Centro de Atenção Primária])
Motivo:
É praticamente o mesmo motivo anterior. O fato é que já havíamos ido ao CAP 2 vezes. Na primeira, não falávamos uma palavra de castelhano e nem sabíamos o que era o catalão. A atendente, de forma muito fria, falou sobre a tal declaração. Mas, como dissemos que a Mi era italiana (pois estávamos começando o processo de busca ao NIE da Mi), fomos ao consulado italiano, e nem pensamos em ir ao brasileiro.
Na segunda vez, a atendente foi bastante solícita, mas eu acabei discutindo com uma médica que insistia em falar com a funcionária na minha frente como se eu não estivesse lá. A frase que mais gostei de ouvir dela foi O problema é seu, não tenho nada a ver com isso. Mas enfim, a funcionária, sem jeito, explicou o lance da carta, e disse que o governo brasileiro mantinha um acordo com o espanhol, e, portanto, o consulado poderia expedir a tal declaração.
História:
Como a primeira etapa havia dado certo, levamos nossas declarações assinadas e autenticadas ao CAP. O consulado fica na Diagonal, no cruzamento com a Rambla, e o CAP fica aqui do lado de casa. Pegamos o metro L3, depois L1, descemos no Arc e andamos até o grande e moderno prédio. Fizemos o percurso silenciosamente. A apreensão era grande, mas a confiança também. Afinal de contas, temos agora a ajuda da Corina - que será apresentada a vocês na próxima etapa. Chegamos. Entramos. Esperamos. Fomos atendidos por essa mulher que, apesar de sentada, parecia alta. Alta demais.
Apresentei os papéis e passaportes, disse do que se tratava. Por alguns segundos aquela papelada ficou ali, na mesa, largada. A mulher parecia em catarse, não sei, observando todos os documentos sem falar ou agir. Fiquei preocupado. Ela, então, chamou outra funcionária, conversaram, a segunda informou a primeira a respeito do acordo Brasil-Espanha. A segunda falou Precisa de uma declaração assim assim assado. E a primeira Aqui está. E a segunda Precisa também do passaporte dele. E a primeira Também está aqui. E a segunda E o empadronamento? E a primeira Ele trouxe também. Então a segunda falou para a primeira o que eu queria ouvir. Ya está - que, aqui significa algo como Então pronto. A segunda olhou para mim e sorriu. Eu sorri de volta. Respondemos várias e várias questões, enquanto a expectativa aumentava, mais e mais.
Resultado:
Escolhemos nossa médica, pegamos nosso número provisório para atendimentos emergenciais gratuitos. Nossa tarjeta deve chegar em casa daqui cerca de 1 mês. A partir de então poderemos também marcar consultas. E foi isso. Conseguimos!!
Terceira tarefa:
Hospital del Mar
Motivo:
Pouca gente sabe, mas no dia 25 de dezembro de 2010 fomos ao hospital. A Mi teve uma indisposição estomacal, e decidimos ir ao Hospital del Mar, que fica perto de casa, de frente para o mar. Seria lindo se não fossem 23h30 do dia de natal. Será que estaria lotado? Será que estaria fechado? E sem a tarjeta, será que seríamos atendidos? As respostas são, respectivamente, não, não e sim. Chegamos após uma caminhada curta, porém respeitável.
A noite estava fria, mas as ruas estavam calmas e o visual daquele caminho até então desconhecido merece um post à parte. Enfim, chegando lá, a Mi apresentou passaporte e empadronamento para que o hospital faturasse a consulta aqui pra casa, pois não tínhamos a tal da tarjeta sanitária. Fomos imediatamente atendidos pelo médico-chefe de plantão. Em seguida, a Mi tomou uma medicação e aguardou. Algo em torno de 15 minutos depois, uma médica nos chamou, fez alguns exames, explicou a situação e passou a receita.
No dia seguinte, fomos à farmácia. Eram dois remédios para 1 mês de tratamento. As caixas eram gigantescas. Quando olhei aquilo, pensei Putz, vai ser caro. Mais uma vez, por falta da tarjeta, não tínhamos direito ao desconto que ela proporciona em todos os medicamentos de receita médica - cerca de 70% de desconto, segundo a farmacêutica. A conta fechou em 10€. Eu achei bom pacas.
Alguns dias depois, já em 2011, recebi um telefonema. Era da administração do hospital, dizendo que não haviam preenchido a papelada da Mi com o número de sua tarjeta. Expliquei que não tínhamos. Ela, então, passou um número de telefone. Pesquisei e descobri que tal número era de uma ONG que ajuda imigrantes com as burocracias de Barcelona. A Fer nos ajudou a marcar uma cita. Fomos dias depois para o escritório da Salud y Familia, onde conhecemos a Corina, uma mulher simpática, paciente e disposta a nos ajudar. Resumindo, ela preencheu um papel verde, disse para voltarmos ao hospital e apresentar o tal papelzinho para o RH, para darem baixa na fatura. Seria como se a ONG pagasse nossa conta. Uau!
Eu achei incrível. Mãs... E se, no dia 18 de janeiro de 2011, fossemos ao consulado brasileiro, pegássemos nossas declarações, para depois arriscarmos de novo a tarjeta sanitária em nosso CAP, e, com o número da tarjeta provisória, poderíamos aparecer no hospital, apresentar a numeração e tentar dar baixa na fatura sem a necessidade da ajuda da ONG? Ah, agora tudo faz sentido! A ordem, as tarefas, o esforço de se cumprir o roteiro exatamente da forma planejada.
Nossa, este post está tão longo. Bom, assim eu compenso os dias que não escrevi.
Continuando.
História:
Fomos de casa para o hospital andando, aproveitando a vista da praia e o solzinho que começava a aparecer, ainda morno. A área do hospital é gigantesca, com uma grande galeria na parte posterior, seguida por um espaço aberto e agradável e, depois, a entrada do hospital propriamente dito. Chegamos no balcão de informações. Pedimos informação, que nos foi dada. Fomos ao RH, apresentamos a papelada novamente e o número da tarjeta sanitária provisória da Mi.
Resultado:
A atendente, simpática e de fala rápida, anotou o número na fatura e disse Ya está. E foi isso. Conseguimos!!!
Coisas maravilhosas estão acontecendo conosco nos últimos tempos. Temos uma pequena viagem planejada para daqui alguns meses; Tenho alguns trabalhos na agulha; Nos aproximamos de pessoas incríveis, daquele tipo de pessoa que você sabe que é pra vida toda; A Mi está bem do estômago;. Nossas famílias estão bem; Nossos amigos estão bem.
Apesar disso, ainda estou reticente. Não por ser pessimista nato ou ingrato, mas as reminiscências de tudo que aconteceu - resultando em nossa vinda para Barcelona - não podem ser consideradas apenas lembranças enfraquecidas. Devem, repito, devem ser levadas em conta como ensinamentos. Afinal, o importante de cair é aprender a levantar.
Claro, não é porque caímos uma ou duas vezes que cairemos a terceira. Sei também que ambas as quedas nos ensinarão a evitar uma nova. Acredito, realmente, que as coisas estão entrando nos eixos. Minha premissa em relação a esta viagem sempre foi buscar felicidade, dinheiro, realização. Mas como se busca isso? Quer dizer, por exemplo, quando você pode dizer que seu casamento deu certo? Depois que ele acaba?
Estou aprendendo a viver o presente, a aproveitar as oportunidades e curtir o momento, sem esquecer do futuro e levando-se em conta o passado. Ainda sim, continuo reticente.
Acho que minha pergunta real é: se ao cair aprendo a levantar, o que deve acontecer para que eu possa aprender a voar? Ou ainda, preciso ficar triste para aprender a ser feliz?
É apenas uma pergunta retórica, de fato. Um desabafo. Desculpem-me por isto, e pelo megapost, mas o prazer de escrever novamente sobrepôs minha preocupação com estética e regras de blog.
Estamos bem e esperançosos. Amamos vocês do fundo do nosso coração.
Sentimos saudade, mas acho que estamos encontrando, finalmente, nosso caminho.
Besos mega-hiper-super-ultra-blaster-gigantescos
Nando (e Mi, que queria contar a novidade para a mãe, mas esta não ficou online a tempo)