Como bom novelista (e não noveleiro) queria deixar o último capítulo para o post de sexta-feira que vem - com reapresentação no sábado -, mas calhou de ser segunda, e não serei maldoso com familiares e amigos que acompanham esta novela há mais de 3 meses. Vamos lá?

"No capítulo anterior, Nando Freitas havia conseguido enfrentar e derrotar sua maior inimiga, a Fila Gorda. Após horas e horas de luta, sudoku e conversa-mole com sua parceira incansável, a destemida e sempre acordada Mirela de Freitas, Nando sobreviveu ao processo de pedido da tão sonhada Tarjeta de Familar de Cidadão Europeu. Após pagar a taxa referente à confecção do objeto de desejo, nosso herói - ? - precisou esperar 30 dias para poder retirar o mesmo. Foram horas de agonia, minutos de impaciência e segundos de desespero. Mas o perídodo havia terminado. O calendário estava completamente marcado. Todos os dias, entre 10 de dezembro de 2010 e 10 de janeiro de 2011, haviam sido ticados. Era chegada a hora. Finalmente."
Hoje levantei sozinho, pois resolvi deixar a Mi dormindo. Sabia que não haveria fila, ou desespero, ou chateação. Bastava entregar o canhoto com meu nome e NIE, passaporte para averiguação de identidade e recibo do pagamento da taxa. E pronto. Talvez uns 2 minutos para a procura da tarjeta, que deve estar lá, esperando pelo dono, tão ansiosa quanto ele. Portanto, era capaz d´eu voltar antes mesmo da Mi acordar. Eram 8h30.
Chequei a internet, revi o endereço, percorri o caminho na minha cabeça. Tudo memorizado. Me vesti, despedi-me da Mi, mas acho que ela não notou, e tomei meu caminho. Como a Oficina funciona entre 9h e 14h, não tive pressa. Andei calmamente, mas a passos largos, pois a ansiedade era grande. Nem percebi o fim do cigarro, que, tragado pelo vento, começava a queimar o próprio filtro, pois esqueci de fumá-lo. Minha mente estava embebida em memórias. Todo o processo, desde as primeiras perguntas sobre o NIE da Mi, as primeiras portas batidas na nossa cara, as horas e mais horas de espera, o fim do dilema dela e o começo do meu, enfim, todo o filme era projetado constantemente atrás de meus olhos. Talvez por isso não senti o cansaço ao chegar no lugar de retirada de tarjetas, uma oficina de polícia na Mallorca, 213. Eram 9h25.
Eu imaginei muito este momento. Pensei até, certo dia, que poderia ser como um Drive Through do McDonalds. Primeira cabina, entrego o canhoto e mostro meu passaporte. Segunda, deixo o recibo. Terceira, meu pedido está pronto: uma Tarjeta de Familiar de Cidadão Europeo. Sem picles. Rárárá, Sem picles, a frase ainda ecoava em minha cabeça e o sorriso continuava marcando meu rosto quando entrei na oficina, segui para uma sala à direita e vi, mais uma vez, centenas de pessoas esperando por atendimento. Sim. Centenas, mas pareciam milhares. Não foi como das outras vezes, pois de imediato retirei minha senha R200, quando no painel o número R116 era chamado para a mesa 2. Não havia, portando, a tal fila gorda. Mas haveria espera. E de pé, porque as cadeiras eram raras e ocupadas. As mesas de atendimento ficavam na sala oposta ao hall de entrada, atrás de uma porta estreita. Portanto, não era possível acompanhar o atendimento dos chamados.
Não, isso não vai estragar meu dia, pensei, otimista, enquanto retirava do bolso o celular velho de guerra, que, quase automaticamente, acessou o ícone do famigerado sudoku. Vez em quando, espiava o painel, que piscava novamente, chamando agora o R117 para a mesa 2. Comecei a averiguar aquele objeto eletrônico para desenhar um perfil da minha situação. O que concluí, após alguns minutos, foi simples. Havia apenas 2 mesas atendendo, a mesa 1 e a mesa 2. O atendimento na mesa 1 era demorado, pois os números destinados àquela locação eram bastante espaçados. Já a mesa 2 atendia rapidamente. O atendimento todo girava em torno de 4 ou 3 minutos, dependendo do caso. Em alguns momentos, o painel ficava silencioso, e todos observavam e aguardavam silenciosamente o próximo bip.
Voltei ao jogo, e acompanhava mentalmente o número de bips, para não perder minha chamada. Quando chamar o R190, eu paro de jogar, pego a papelada que já está separada desde dezembro e esperarei ohando fixamente o painel. O R189 foi para a mesa 1, e o R190, para a 2. Começou, então, a contagem regressiva para o fim da minha novela. Os números brilhavam, laranjas, no painel escuro, um, depois o outro, rapidamente, até estancar no R199. Foram longos 6 minutos de espera. Quem me atenderia? A lerdeza da mesa 1? A eficiência da mesa 2? Bip. R200. Mesa 2. 10h34.
Atravessei o curto hall, entrei na sala de atendimento e parei. Que estranho. Consegui contar 5 mesas, mas apenas 1 estava ocupada. Uma senhora, de 60 e muitos anos talvez, com a cara mais fechada que Banco em feriado nacional, sentada atrás da grande mesa de madeira, fazia um atendimento. Eu, besta, sem saber o que pensar, perguntei educadamente, Mesa 2? Ela respondeu, com a cara tão sólida que parecia um ventríloquo, Você está vendo mais alguém na sala? Eu fiquei calmo, apesar do suor começar a brotar da testa. Sabe, quando o suor nasce na testa ou na nuca, e dá até pra sentir? Não sei, acho que meu copo estava bem cheio, e meu nervosismo se devia, claro, ao medo da velha resolver pingar a gota d´água, e eu perder o controle. Quer dizer, hoje o dia estava indo até que bem, o problema é a bagagem que a gente leva.
Bom, não sorri, não fiz cara feia. Só suei porque não é controlável. Aguardei minha vez. Enquanto isso, ouvi a discussão da velha com o homem que estava sendo atendido. Ela explicou que estava sozinha a manhã toda, e que o aparelho da mesa 1, logo ao lado, responsável por chamar a próxima senha no painel eletrônico, disparava sozinho, e ela não estava dando conta, e blá blá blá. O homem saiu, dei um passo à frente, abri minha pasta, retirei todos os documentos e entreguei-os à Sra. Educação. Ela leu, leu, e, de repente, soltou um suspiro alto, quase uma bufada. Fodeu, pensei na hora. Broxado e derrotado, ouvi a velha reclamando que eu não havia colocado meu nome no recibo da taxa. É isso? Mas o funcionário do Banco onde paguei a taxa disse que era necessário apenas constar o número do meu NIE, e... Quer saber, não vou falar nada. Nada. Peguei a caneta cedida pela mão enrrugada da atendente, escrevi meu nome completo, calle, números, e estava escrevendo Barcelona e ouvi aquela voz cinza dizendo Não precisa. Parei no Ba, entreguei o papel, a caneta, e não pude sequer olhar para a funcionária, pois, ao mirar a mesa, eu a vi. Minha tarjeta.
Sim. Minha tarjeta. Disse Tchau enquanto guardava tudo em minha mochila, para ter nas mãos apenas ela. Minha tarjeta. De súbito, toda minha história referente àquele pedacinho de plástico tatuado com minhas informaçõs voltaram, mas, desta vez, o filme foi projetado às avessas, desde aquele momento até a primeira pergunta feita, como se a história fosse desfeita, de alguma forma. E de todas as questões, informações, grosserias, respostas atravessadas, apenas uma palavra continuava em minha mente. Apenas uma.
Consegui!
Rolam os créditos.
Bônus - A volta
Feliz da vida, desci toda a Rambla, virei à esquerda na Trafalgar em direção ao Arc. Andava alegre e despreocupado quando vi logo ali, na minha frente, na esquina, que a calçada estava fechada para obras. Num cercado formado por pedaços de cerca de barras de ferro amarelas, funcionários abriam buracos, retiravam paralelepípedos, alguns conversavam, mas a maioria trabalhava. Com outra fileira dessas barras amarelas, formaram um caminho para os transeuntes.
Tomei direção para este caminho, e, ao desviar de um homem que andava na direção oposta à minha, toquei a cerca amarela com a mão direita. Apenas toquei. Mas pude perceber, pelo canto dos olhos, que aquela cerca, que media cerca de 1,50m de comprimento por 1m de altura, começou a cair. E em direção ao funcionário que, dentro de um pequeno buraco, escavava a calçada de costas para a tal cerca. Continuei andando, observando, discretamente, aquela cerca, que pendia, em slow motion, para dentro do cercado. Para dentro do buraco. Para as costas do funcionário. Comecei a andar mais rapidamente, o que fez aumentar a sensação de demora da queda do tal objeto. Quando não conseguia mais olhar pelo canto dos olhos, decidi seguir em frente e não olhei mais para trás. Apertei tanto o passo que os dedos dos pés quase gangrenaram.
Após cerca de 150m, parei e olhei em direção ao canteiro de obras, como quem procura por um ônibus, ou táxi. Ninguém me seguia. Não havia correria. Ninguém gritou pelo meu nome (Hey, Barbudón!). Ninguém.. Ih, peralá. Tem um cara, meio grisalho, meio calvo, de jaqueta amarela com faixas cinzas refletoras, vindo em minha direção!
Desisti do ônibus e do táxi e retomei o meu caminho. Dobrei a esquina, segui em frente na Comerç, atravessei a rua, voltei à calçada, comecei a procurar as chaves no meu bolso, vi um objeto no chão, observei alguns homens que faziam uma ref... Pera lá. Que objeto é esse? Voltei 3 ou 4 passos, olhei para um lado, para o outro, não vi ninguém por perto e recolhi o que parecia ser uma nota de 10 euros. E era. Nova, estalando. Resolvi ficar ali, com a nota nas mãos, para ver se aparecia alguém procurando por ela. Afinal de contas, perder dinheiro pode acabar com o dia de qualquer um, e seria uma boa ação, que contrastaria com o soterramento que causei alguns minutos antes. E fiquei parado, na calçada, esperando.
Foram os 2 segundos mais demorados da minha vida. Quando percebi que ninguém havia aparecido, retomei o passo, andei cerca de 20 metros e entrei no prédio. Tomei o caminho para o elevador, que, por sorte, estava lá. Fechei a porta, pressionei meu andar e fiquei observando, pelo vidro, se aparecia alguém, ou vestindo jaqueta amarela com faixas cinzas refletoras, ou com um furo no bolso, gritando meu nome e batendo violentamente contra a porta de entrada no prédio.
Não apareceu ninguém. Mesmo assim, decidi passar o resto do dia no quarto, trabalhando. Vai que...
Estamos bem. Muito bem! Amamos vocês.
Besos tarjetados
Nando (e Mi, que já gastou os 10 euros com passagens para o metro)
Até que enfim.... Parabéns pelo Post, pela Tarjeta, pelo esforço e pela vitória! Nando acompanhar suas narrativas é mesmo que estar presente no acontecido. Afinal, aquela cerca amarela, acho que já estava precaria. Tomara que não tenha realmente caido. Beijos
ResponderExcluirAté que enfim, ebaaaaaaaaa, vocÊ é um amigo entarjetado agora... Parabéns, valeu a torcida , o sangue , suor e lágrimas, hahah. Bj pra vcs
ResponderExcluirFiquei muito feliz....
ResponderExcluirE o post,realmente está imperdível.
Visualizei cada cena e como a Jo,também me senti presente.
As vezes fico pensando se,como mãe, faço comentários exagerados e deslumbrados.Mas ao mesmo tempo penso que não ,porque as pessoas que converso estão sempre elogiando a sua narrativa e criatividade.
Beijos ensolarados e amamos vocês.
Esta novela tem começo e fim, que coisa boa e fim FELIZ! merecidamente...agora to imaginando o
ResponderExcluirPs:(Mi e Nando descansando tranquilamente no quarto após algumas traquinagens opz, entargentagens...)
cada um entendo como quizer!!! beijos
é muito bom ver que os comentários são tão carinhosos, quanto os polsts que o nando escreve.
ResponderExcluirgente, só faltam 6 passagens agora do bilhete kkkkkkkk
amo o nando, minha família e meus amigos
besos