sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O azulejo branco-gelo - parte 2

Aviso 1: Para entender bem a história, é imprescindível ler minha postagem anterior. Basta clicar aqui.

Aviso 2: Mais palavras grandes (palavrões) a seguir. Também, não gratuitas.


Terminei aquele dia assim. Sentindo uma dor estranha. Mas comecei, mesmo assim, o tratamento que a médica havia me passado. Remédio, creme e mais remédio. Tive duas noites conturbadas, de sexta para sábado e de sábado para domingo.

O sol estava forte, e fui ao clube normalmente, como costumamos ir. E a dor ali, quase companheira já. O creme chegou a fazer efeito, isto é, tratou bem da zona que estava em carne viva. Mas a coceira havia dado espaço para a tal dor. Não todo espaço, pois a urticária ainda existia, mas me parecia bem menos importante do que a dor latejante no cu, e bem no lado esquerdo, onde o gancho do indicador da doutora havia roçado. E, naquele domingo, após o clube, fui tomar banho. E no banho, eu percebi a razão da dor.

Durante minha higiene, enquanto espalhava o sabonete - este em barra, pois o outro estava já no lixo - senti algo estranho. Era uma bolinha. E essa bolinha doía. E não era pouca coisa. Como diz o ditado, as maiores dores estão nas menores bolinhas.

Saí do banho e disse para a Mi que eu deveria ir ao hospital. E olha, quem me conhece bem, sabe. Pra eu pedir para ir ao hospital, é porque a coisa é séria. Conversamos e resolvemos dar mais um dia ao tratamento. A dor havia diminuído um pouco, provavelmente por conta da água quase fria do banho, e estava na hora de dormir. E assim deitei, um pouco assustado ainda. Mas dormi finalmente.

Dormir é modo de dizer. Eu rolei na cama, me coçava, capotava de novo, acordava me coçando e doendo. Ventilador na cara para aguentar o calor e rádio no ouvido para distrair a cabeça - sempre durmo ouvindo o programa Momentos, da COPE Barcelona. Acordei finalmente antes do despertador, justamente despertado pela dor.

Para ser completamente honesto, não era uma dor doída. O problema dela não era a intensidade, e sim a persistência. A dor não passava. Quando a gente bate o cotovelo, ou dá uma bela topada com o dedão do pé, o que a gente faz? Esfrega bem com a palma da mão o lugar dolorido, falando um Aiiii comprido, e com aquela cara de dor. Mas meu problema era dor no cu. Dor no cu não passa esfregando a mão. Ainda mais com uma dermatite ainda mal curada na região. Não passa, simplesmente.

O que eu fazia, para tentar descobrir como me livrar, ao menos por alguns momentos, daquela dor, era piscar o cu e/ou tensionar a bunda. Nada. Tentei levantar as pernas, alternadamente. Piorou. Dormir virado do lado esquerdo. Não. Lado direito? Ã-ã. Conchinha, esticado, mãos segurando as pernas. Era uma verdadeira aula de ioga na cama. Resultado: acordei com dor e cansado da maratona.

Levantei, me lavei de novo, me pomadei, me entupi de remédios e fui para o trabalho. 40 minutos sentado no trem. Parecia que meu assento estava pegando fogo, de tanto que eu me mexia. Mas, como já disse, a dor era constante e chata, mas dava pra aguentar.

Meu dia correu normalmente, de certa forma. O problema é que tenho que andar bastante, subir e descer escadas, sentar e levantar constantemente. Quando voltei para casa, conversei de novo com a Mi. Entramos na internet e marcamos uma consulta, com a mesma médica, através do site do centro de saúde. Oito horas da noite do dia oito, quinta-feira. Você aguenta até lá?, perguntou a Mi. Eu disse que sim com a cabeça, enquanto dava passos de soldado (levantar as pernas alternadamente, joelho até a altura da cintura, sem sair do lugar) para que as bandas friccionassem e amenizassem a dor e a coceira. Durante o banho daquela noite, lá estava ainda a maldita bolinha, mais irritada do que nunca.

Novamente, uma noite pessimamente dormida. Novamente ioga, rolando pra cá e pra lá. Novamente me levantei antes do despertador. Mesma rotina do dia anterior. Pomada, remédios, trem. Mas, desta vez, do trem ao trabalho eu já mostrava sinais de que as coisas tinham piorado de um dia para o outro. Eu mancava, não conseguia subir e descer as escadas sem um gemido e a ajuda do corrimão. Não me concentrava mais no trabalho que estava fazendo. Ligava constantemente para a Mi, com voz de choro e agonia, e, numa dessas ligações, resolvemos que naquela noite eu iria para a emergência.

A hora não passava, e quando deu a hora de ir embora, quase agradeci a Deus. Eu disse quase! Fui, mancando mais, até a estação, e cheguei em casa não me lembro bem como. Jantei, fui ao banheiro, tomei banho e desci para esperar a Mi. Ela chegou e fomos andando até o hospital, que fica pertinho de casa. Não naquela noite. Parecia que eu não chegaria nunca, mas cheguei.

Qual o problema dele? - perguntou a mocinha na janela de admissões. Acho que ele precisa de um proctologista - respondeu a Mi, minha intérprete. Não foram feitas mais perguntas. Recebi minha pulseira de paciente e fui até a triagem. Lá, contei a minha história, e a médica me encaminhou para a ala de cirurgia.

Cirurgia? Aí o cu trancou. Não de dor, mas de cagaço mesmo. Nem me viram e já vão meter a faca? O quê? E ainda a Mi não pode ir comigo? Tenho que seguir este enfermeiro pelos corredores do hospital até sei lá onde? Fiquei sem ação e andei automaticamente atrás do rapaz. Andamos bastante, até uma área reservada para pacientes. Ele me pediu para que eu sentasse numa daquelas cadeiras e aguardasse ser chamado. Sentei e observei a sala.

Estávamos ali eu, uma senhora numa cadeira de rodas, um rapaz também em uma cadeira de rodas (outra), uma mocinha e outro cara. A senhora e o rapaz, ambos nas cadeiras de roda, estavam do lado oposto da sala de espera. Eu, a mocinha e o outro rapaz, neste lado de cá. No meio passava o caminho por onde enfermeiros iam e vinham, ora com pacientes em macas, ora papeando e segurando um copo de café quente nas mãos. E ali esperei. Sempre trocando de banda de apoio.

De repente, ouço um "ai" bizarro, desses de filme de terror. Era a velha. A velha estava um caco. A velha levantava da cadeira, e gemia. A velha sentava de novo, gemia de novo. A velha abaixava, gemia. A velha se coçava, gemia. A velha ficava parada, gemia. Levaram a velha para um raio-x. Ai, que alívio! Trouxeram a velha de volta. EU gemi!



Começaram a chegar outros pacientes. Uma turista que não falava castelhano, uma senhora com a filha, que era enfermeira do hospital, um cara com cara de índio, um boliviano, um velho, que depois vi que era filho da velha (se o filho é velho, imagina quão velha era a velha!) e um rapaz mais novo, que parecia catalão. E esta era a cena, em sentido horário:

Eu, com o cu ralado; a velha com a filha enfermeira com algum problema no pescoço; a turista com o pé direito que parecia um pãozinho francês de tão inchado; o rapaz na cadeira de rodas com um problema na panturrilha, a velha que era mais velha que andar pra frente (era mais velha que a expressão "Mais velha que andar pra frente") gemendo sem parar; o velho filho da velha que ficava explicando pra mãe sei lá o quê; o boliviano com um corte na testa, de ponta a ponta, tapado por uma faixa fina que deixava o sangue escorrer até a sobrancelha do coitado; a esposa/namorada do boliviano (esta chegou um pouco depois); o rapaz catalão (que foi atendido rapidamente); outra velha (que também chegou depois, mas essa era quietinha); a mocinha, que ficava reclamando do tempo em que estava ali esperando (ela estava lá porque tinha um pedaço de unha dentro do dedão do pé); o rapaz, que tinha um corte na cabeça, acima da orelha direita, que gotejava sangue; e o cara de índio, que ficava inclinado para frente, com os cotovelos sobre os joelhos, segurando um saco plástico branco, no qual lia-se "Vomitador". Essa era a trupe da sala de espera.

E foi com praticamente toda essa gente que passei as quase 3 horas que fiquei naquela sala trocando de banda a cada 5 minutos para não machucar muito. Havia chegado 21h45 no hospital. Eram 00h30 em ponto quando recebi a notícia. Todos nós, ou a maioria de nós, estávamos ali esperando o cirurgião que estava de plantão. Todos nós teríamos que ser atendidos por este cirurgião. E, infelizmente, ele estava, justamente, dentro de uma cirurgia séria. Portanto, não havia previsão nenhuma de atendimento. Levantei e saí, puto da vida. Manquei até minha casa, falei de novo com a Mi, e mudamos o plano de ação.

Desta vez iríamos, na manhã seguinte, até o consultório onde minha médica atende. Ela não iria trabalhar naquela quarta, mas eu pediria um encaixe com qualquer outro médico. Daquela manhã não passaria. Tomei uma ducha - e vi que a bolinha havia aumentado - e deitei. No dia seguinte, lá vamos nós esperar uma consulta de emergência.

Esperamos cerca de 40 minutos, e fui chamado. Era uma outra médica, mas com um rostinho mais acolhedor do que a minha. Desta vez pedi para a Mi entrar comigo. Então, quando a doutora me chamou, fui até a sala dela, entrei, deixei a porta aberta, a Mi enfiou a cabeça ali e perguntou se ela também poderia entrar. A médica disse "Não sei, vocês se conhecem?". Rimos da situação, expliquei quem ela era e começou a consulta. Disse tudo o que havia acontecido. Aí ela fez de novo o mesmo pedido da outra doutora. Ela pediu para eu me sentar na maca.

(Para o próximo trecho da postagem, eu recomendo que vocês cliquem neste link. É uma música que servirá perfeitamente de pano de fundo para a leitura que segue. É só uma sugestão. Cliquem, deixem a música rolando e leiam o resto do texto, ok? Ok. Continuando...)

Aí eu já estava craque no assunto. Deitei na maca, arriei a bermuda até as canelas e me virei. Estava preparado. Olhei o azulejo branco-gelo, que parecia o mesmo, mas era outro. Era outro, mas parecia o mesmo. As lembranças voltaram e, enquanto a médica ainda pegava as famosas luvinhas azuis, olhei por cima do ombro direito em direção a Mi. Ela, reta, completamente de costas, completamente paralizada. Eu havia pedido para que ela não se virasse. Se ela girasse a cabeça para a sua direita, daria de cara um lado meu que ela não conhece. E ela não ficaria muito feliz em conhecê-lo. Por isso ela estava ali, feito estátua. Eu só conseguia ver sua nuca, mas podia jurar que dava pra ver que ela estava fazendo toda força do mundo para fechar os olhos.

Veio a médica, eu desvirei. Ela disse "Encolhe um pouco mais as pernas", e eu me preparei pro pior. Começou daquele jeito, abrindo as bandas e observando. Mas ela esqueceu do aviso sobre respirar. Tanto que eu estava prendendo a respiração, esperando o tal aviso. Não veio aviso. Veio sim o dedo dela, falando "É aqui?". E soltei, novamente, o mesmo grito da outra consulta. "Ééééé". Mas desta vez não me contive. Soltei um "ai" que faria a velha da noite anterior se sentir orgulhosa de mim. Dei dois murros de mão fechada no azulejo branco-gelo. Depois ele sumiu, de repente. Eu havia fechado os olhos.

O dedo estava dentro, fora, dentro, ao redor, na borda, no fundo. "Aqui está a bolinha", disse a agora detetive. E eu apertando minhas pálpebras, chorando de dor. Ela sacou o dedo, pediu que eu me vestisse e voltasse para a cadeira. O exame havia terminado.

Eu estava esgotado. Desci primeiro da maca, depois abotoei minha bermuda e, por um momento, fiquei ali, de pé, debruçado com as mão nas minhas coxas, arfando de cansaço. Sim, caro leitor. Dedo no cu cansa. Ainda mais depois de dois dedos diferentes em apenas 5 dias.

Meu cu tinha mais digitais do que uma cena de crime.

Sentado, ouvi o diagnóstico. Eu tenho uma hemorróida. Na verdade, duas. Uma bem interna, que é normal,seria como um primeiro estágio da doença. E a bolinha (na verdade é uma veia) era outra, que era interna por estar ainda dentro da pele, mas externa por não estar mais no reto, e sim na parede do ânus. Era para eu parar imediatamente com o tratamento que eu estava seguindo. Deveria começar a usar uma pomada própria para hemorróidas, com aplicador (cone que se encaixa feito uma tampa, para aplicação da pomada desde o reto até o cu - chegaremos lá em breve), remédio para circulação (o mesmo) e outro para a dor (melhor que o que eu estava tomando).

Fomos embora. Eu andava e olhava as pessoas, e as via me olhando, como se todas soubessem o que tinha acabado de acontecer. Falei para a Mi que no próximo verão vou armar uma barraquinha na praia, pro pessoal que não teve a oportunidade de enfiar o dedo no meu rabo agora poder fazê-lo depois. Não quero que ninguém se sinta deixado de fora.

Fui pro trabalho, aguentei as 8 horas como pude, voltei pra casa e, assim que a Mi dormiu (capotou) por conta das duas noites anteriores mal dormidas, eu fui até o banheiro, tomei meu banho diário e comecei o ritual.

Abri a pomada, furei o lacre, coloquei o aplicador, me agachei e me preparei. Disse para mim mesmo "Cara, você aguentou dois indicadores, com unha comprida e tudo. Este aplicador não é nada! É quase um dedo mindinho! Vai sem medo!". Fui sem medo. E a ponta do filha da puta aplicador encaixou perfeitamente na bosta da bolinha sobressalente, e o cutucão, que mais pareceu uma picada de injeção, fez uma dor lancinante percorrer toda minha espinha, do cóccix até a nuca, e de volta, da nuca ao cóccix. Na hora ainda escapoliu até um punzinho que, pra mim, foi meu cu dizendo "Putz...".

Mas, como queria me livrar do problema o quanto antes, fiz uma segunda tentativa. Desta vez fui um pouco mais para a direita (de quem vai) e aí foi. Mesmo assim, foi bastante incômodo. E pensar que tenho que fazer isso duas vezes ao dia me deixa desanimado. Eu ainda acho que o primeiro exame desencadeou a bolinha, e que, se eu tivesse começado um tratamento mais específico e mais cedo, provavelmente não passaria os apuros que passei, nem seria necessária a segunda dedada. Mas são especulações, nada mais.

O negócio é que estou medicado e pronto. Já passou, ou melhor, vai passar, porque já está passando. E vou levando aplicador no cu, por enquanto. Porque se isso for me livrar de levar mais dedadas no futuro, o aplicador é mais do que bem vindo. E assim estou, assim vou indo, e qualquer novidade (ou dedo) que entrar na minha vida (ou cu), eu voltarei a postar aqui, para entretenimento de todos.


Beijos e piscadelas, Nando

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O azulejo branco-gelo - parte 1

Aviso: Palavras grandes (palavrões) a seguir. Mas não gratuitos.

Eu sou um cara bastante reservado, um pouco (muito) tímido, e este blog me ajuda a melhorar neste aspecto. Além do prazer que sinto em escrever, é claro. Mas, ao contrário do que muitos (poucos, que são os raros e ralos leitores) pensam, eu não escrevo para ser engraçado ou cômico. Eu escrevo simplesmente uma narrativa, que conta um ou vários acontecimentos e, dentro do meu ponto de vista, procuro ser fiel à realidade e aos fatos apresentados por mim.

Aí pensei se deveria ou não escrever a próxima história. O assunto é particular e muito, muito privado. Mas, como estou na chuva, o negócio é escancarar e botar a boca no trombone.

Tudo começou umas 3 semanas atrás, no fim de julho. Comecei a sentir um certo desconforto, uma coceira, um "picor", um comichão, em algumas áreas privadas particulares. Algumas não. Uma só. O cu.

Assustou? Leia a primeira frase desta postagem e depois volte para o próximo parágrafo. Obrigado.

Tenho certeza que 100% dos que estão lendo já sentiram isto. É tão normal e comum como fazer xixi e cocô. Ainda mais neste verão de 40ºC daqui (quando o dia está 36ºC, a área da bunda pode alcançar até os 64ºC). Mas enfim, a situação foi piorando com o passar dos dias, e o que era uma coceirinha esporádica se transformou em urticária braba, dolorosa e dolorida. Até que resolvi, nesta última sexta-feira, dia 2 de agosto, procurar assistência médica.

Era meu dia de folga, e, apesar de não querer perder meu precioso miniferiado num consultório médico, a situação era desesperadora. Não tem coisa pior do que sentir uma coceira e não poder coçar. É como aquela poeirinha dentro, lá dentro do nariz, que faz aquela coceguinha desgraçada, e o espirro não vem, e a gente fica olhando pra cima, com a cara esticada, as narinas abertas, a boca escancarada e os olhos entreabertos, esperando que a sensação de espirro se torne um de fato.

Enfim, eu já estava bastante machucado. Apesar da minha vigilância e persistência, meu problema era durante a noite. Eu acordava várias vezes, me coçando copiosamente, e, segundos depois, aquela ardência. Minha bunda estava em carne viva. Quando eu tomava banho, ao menos 50% do tempo era para lavar a bunda. Primeiro porque a água, ao entrar em contato com a carne viva e assada, parece ácido puro. Segundo porque eu fazia questão de me lavar bem, mas bem mesmo. E naquela semana a gente estava de sabonete líquido novo, chique, cheio de coisas boas pra pele. Aí usava e abusava do sabonete na minha higiene.

Não teve jeito. Tive que tomar um banho extra, esperar a Mi chegar do trabalho naquela tarde e ir até o Hospital del Mar tentar uma visita de emergência. Fiz isso, e fomos andamos até lá. Chegamos, e consegui ser encaixado. Sentamos e esperamos por, não sei ao certo, talvez uma meia hora, não lembro. Quando a sensação de chegar perto do alívio toma conta da gente, o tempo é absolutamente secundário. Então, depois de certo tempo, fui chamado.

Entrei sozinho. Era minha primeira visita a esta médica, e portanto tive que responder as perguntas de praxe. Alergias, vícios, doenças na família, doenças crônicas. E eu lá, sentando sobre a banda direita, me equilibrando na cadeira, enquanto eu tentava decifrar o catalão da médica. Entender o catalão é bem difícil. Com o cu assado, fica praticamente impossível.

Então veio a pergunta. Qual o seu problema? Sabe o que é, doutora - comecei, gaguejando meu castelhano débil. É que, há mais ou menos três semanas, comecei a sentir, bom, é que... "me pica el ano" (havia treinado a frase durante toda a semana). E agora está doendo bastante, porque durante a noite eu me coço e me machuco.

A médica, séria, me olhou por cima do seu par de óculos, com cara de quem estava prestando bastante atenção. Provavelmente devia estar conversando consigo mesma, algo como "É, e hoje de manhã, enquanto eu comia meu café com pão e manteiga, eu nem poderia imaginar que em algumas horas eu iria ficar cara-a-bunda com o barba".

Após pensar por alguns minutos, ela balbuciou algo em catalão e apontou, com as sobrancelhas, a maca no canto da saleta. Eu entendi, asenti e me sentei na maca. Ela pediu para eu me deitar, e eu me deitei. Em silêncio ela se sentou em uma cadeira giratória, baixa, da altura da maca, e rolou até o armário, perpendicular à cama. Ali, à esquerda, sobre uma mesa, uma caixa de papelão. De lá sacou duas luvas azuis e voltou patinando até mim. Disse "Vira". Eu virei. Disse "Abaixa a calça", e eu o fiz. E começou o exame.

Aos de coração fraco e estômago sensível (e vice-versa), o conteúdo a seguir é bem explícito!

Foi tudo muito estranho. Ela abria as bandas como quem procura por toalhas entre dois travesseiros, ou quando buscamos uma determinada camiseta entre tantas outras dobradas dentro do gaveteiro. Sabe? Abre, olha, fecha, abre de novo, olha mais um bocadinho. Pra mim até que estava legal, curti bastante, porque o arzinho gelado estava refrescante, e era a primeira vez em três semanas que eu não sentia aquela angústia de coceira. Ela dizia que estava tudo muito, mas muito machucado, provavelmente por conta das coçadeiras noturnas. Viu, olhou e observou. Até que ela disse "Respira. Respira fundo e continua respirando".

Eu não entendi direito na hora. Estava lá, deitadinho, olhando para o azulejo branco-gelo, esperando a médica terminar o exame, quando, de repente, ouço esta frase. Mas poxa, pensei, eu estou respirando e vou continuar respirando. Qual o problema dessa méd.... O dedo entrou todo e de supetão. Assim, todo. Senti o dedo todo entrando. O cu estava tão sensível que consegui sentir até a cor da unha da mulher. Era uma cor especial, chamada "vermelho-de-foder", conhecem?

Meus queridos, reparem bem, não foi a dor. Foi a surpresa. O espanto. Foi tudo de repente, sabe, sem nada. Nem um aviso direto, nem uma contagem regressiva, nem um lubrificantezinho, nem um vinho, nem um cafuné.

Eu, como homem quase-velho, já venho sentindo a assombração que nasce a partir da piada brasileira mais famosa/antiga/preconceituosa que existe no nosso mundo masculino. "Ao fazer 40 anos, é necessário o primeiro exame de toque". E eu, ali, 4 anos adiantado, totalmente entregue, sendo descabaçado em plena luz do dia.

Na hora parei de respirar. Aí lembrei da frase que a médica havia dito poucos segundos antes, e pensei "Ah, tá. Não era uma frase. Era um aviso". E eu lá, em posição fetal, parecendo uma marionete com um dedo no meu cu, olhando fixamente o azulejo branco-gelo. Nunca mais vou esquecer do maldito azulejo branco-gelo.

Dói assim?, perguntou a médica. Nã-nã-não, doutora, respondi sinceramente. E não doía mesmo. Aí a filha da puta disse "É, mas aposto que assim vai doer".

E, acompanhando a frase, o seu indicador começou a rotacionar para para a direita, e a tomar forma de gancho. E foi assim, em câmera lenta mesmo. Ela dizia "assim" e girava, "vai", girava mais, "do", girou os 90º, "er", fez o gancho com o dedo.

Aí, companheiro, quase dei a luz. Fiz um "Éééé" meio gritado, meio abafado, e bastante sofrido. Aí doeu. Parecia que a mulher tinha desrosqueado meu cu. Me senti uma garrafa de vinho, e o cu era a rolha. Eu esperava até ouvir um "póf" quando ela tirasse o dedo. Mas ela não tirava. Ela mexia o dedo. E eu sentia o dedo mexer dentro do meu estômago. O choro na garganta, minha mão tapando o azulejo branco-gelo, e minha vida toda passando feito uma projeção dentro do meu cérebro. E a cena final era a lazarenta enfiando o dedo no meu cu e rodopiando. Faltou gritar "U-hú!" enquanto rodava o dedinho.

Não sei quanto tempo isso durou. Talvez uns 3, 5, 6 segundos. De qualquer forma, foi tempo demais. Eu não estava psicologicamente preparado para isso. Ela sacou o dedo de lá (e não fez o "póf" esperado), rolou até a lixeira, jogou as luvas no lixo e foi até sua mesa. Me deixou lá, largado, de lado, perninha junta, joelho com joelho, com a bunda exposta, levemente rotacionando meu corpo no próprio eixo, num ninar solitário. Ela disse "Pode vir". Eu me virei, abotoei a calça ainda deitado, me levantei calmamente, porque minha pressão tinha ido lá pra baixo - na altura do cu provavelmente -, respirei duas, três vezes e saltei da maca. Andei a passos de tartaruga, pé ante pé, até minha cadeira. Lá sentei com cuidado redobrado, peguei minha mochila e a abracei. Era, claramente, um escudo que eu adotara naquele momento de fragilidade.

Ela disse que eu tinha uma dermatite bem feia, provavelmente causada pela troca de sabonete líquido ou de toalhinhas umidecidas (filha da puta do sabonete líquido novo, chique, cheio de coisas boas pra pele...). E que a dor que eu havia sentido no exame era por conta de algumas hemorróidas internas, que são normais até e, portanto, não precisaria me preocupar com elas tão cedo.

Me receitou uma pomada corticóide, um remédio para a circulação (para evitar que as hemorróidas progredissem) e um paracetamol para a dor das assaduras. Durante a digitação dos remédios, ela fazia piada, dizendo que este tipo de exame realmente "molesta mucho". Molesta, doutora. Molesta mais do que a senhora pode imaginar...

Ela imprimiu a folha e, com um sorriso, a entregou para mim. Eu recolhi o papel, disse obrigado - ainda o troxa agradece!? - e saí. Encontrei a Mi no corredor. Ela me viu, achou minha cara estranha (mais do que o normal) e ficou me fazendo perguntas.

Eu comecei a contar toda a história e, de repente, reparei que os dedos dos meus pés estavam brancos, tesos, afundados nas sandalhas, como quem está a beira de um precipício. Levei muito tempo tentando relaxá-los, e quando consegui já havíamos chegado em casa. Os dedos já estavam bem. Mas o resto ainda estava completamente traumatizado. Fui, tomei um banho de meia hora, eventualmente chorando agachado no cantinho do banheiro abraçado ao meu ursinho de pelúcia, coloquei um calção bem largo e fui tirar uma soneca.

Acordei suando, assustado. Levantei, fui até a sala e encontrei a Mi. Eu disse "Mi, tive um pesadelo terrível...". Ela, com um sorriso geométrico no rosto, respondeu "Não, não foi pesadelo", e me mostrou a receita da médica. Eu gritei (internamente), e sentei na cama. E na hora em que eu sentei, veio uma dor. Dor nova. Era a que eu havia sentido no exame, mas totalmente fora do contexto. Isto é, a mesma dor, agora sem o dedo para acioná-la.

No fim das contas, a médica estava errada.
E o meu pesadelo estava apenas começando.

Apagam-se as luzes. Fim da primeira parte. Fecham-se as cortinas.
Beijo doído e até breve com a segunda parte da saga "O azulejo branco-gelo"